segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

A gaiola que Salva

A gaiola que salva

Extinto na natureza, o mutum-de-alagoas escapa do desaparecimento total graças a um projeto de criação da ave em cativeiro
MARCOS PIVETTA | ED. 251 | JANEIRO 2017



© JOÃO MARCOS ROSA
Análises genéticas ajudaram a separar a população pura do mutum-de-alagoas (exemplar em primeiro plano) das aves híbridas (desfocadas)
Análises genéticas ajudaram a separar a população pura do mutum-de-alagoas (exemplar em primeiro plano) das aves híbridas (desfocadas)
Avistada pela última vez em trechos remanescentes da Mata Atlântica de Alagoas há quase 40 anos, a raríssima ave Pauxi mitu é considerada extinta na natureza. Com até 90 centímetros (cm) de comprimento e uma plumagem em tons negro-azulados, a espécie foi vítima de caçadores em busca de sua suculenta carne e da drástica redução de seu hábitat, hoje com menos de 2% de sua extensão original. O mutum-de-alagoas, nome popular desse galináceo, só não desapareceu por completo porque três criadores, com o auxílio de biólogos, dedicaram-se a reproduzi-lo em cativeiro. Felizmente, a iniciativa é um sucesso. A partir de apenas um macho e de duas fêmeas selvagens, os derradeiros espécimes capturados nas matas de Alagoas em 1979, a população da ave renasceu e hoje conta com cerca de 230 exemplares mantidos em cativeiro.
Um detalhe importante que contribuiu para o êxito da empreitada acabou se tornando, paradoxalmente, um problema a ser contornado antes de a espécie rediviva estar pronta para ser reintroduzida na natureza, algo previsto para ocorrer no segundo semestre deste ano. Aves híbridas, fruto de cruzamentos não totalmente controlados do mutum-de-alagoas com o mutum-cavalo (Pauxi tuberosa), espécie-irmã que ocorre na Amazônia, encontravam-se misturadas aos exemplares puros de Pmitu no cativeiro. O imbróglio começou em 1990, fruto das melhores intenções de Pedro Nardelli, o criador que trouxe das matas alagoanas os três últimos mutuns encontrados na natureza, iniciativa que salvou a espécie da extinção total. Nessa época, Nardelli tinha em seu criadouro cinco machos sem parceiras para reprodução entre a população de 19 mutuns-de-alagoas mantidos em Nilópolis, nos arredores da capital fluminense. Para que todos os machos tivessem a chance de acasalar, o criador resolveu introduzir no recinto fêmeas de mutum-cavalo. “Cruzei as duas espécies para garantir a continuação da linhagem do mutum-de-alagoas”, justifica-se Nardelli, hoje com 80 anos.
© REPRODUÇÃO DE A PRESERVAÇÃO DO MUTUM-DE-ALAGOAS
Esta xilogravura do século XVII é a primeira representação do mutum-de-alagoas
Esta xilogravura do século XVII é a primeira representação do mutum-de-alagoas
Com o tempo, a população de aves reproduzidas sob a guarda humana passou a abrigar dois tipos de mutuns-de-alagoas: os puros, oriundos de cruzamentos entre machos e fêmeas de P. mitu, e diferentes híbridos, que carregavam material genético das duas espécies em proporções distintas. O registro exato de quem era puro e quem era híbrido acabou se perdendo em 1999, quando Nardelli se viu obrigado a fechar seu criadouro. As 44 aves existentes, então, foram enviadas para dois criadores em Minas Gerais. “Como alguns híbridos têm traços físicos muito parecidos com os puros, não é possível diferenciá-los apenas pela morfologia”, explica Luís Fábio Silveira, curador da seção de ornitologia do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZ-USP). “Tivemos de desenvolver uma abordagem genética para distinguir os dois grupos.”
Os pesquisadores recorreram a duas técnicas distintas da biologia molecular para separar os exemplares puros dos híbridos, conforme relatam em artigo aceito para publicação na revista científica PLOS ONE. A primeira analisou o DNA mitocondrial, um tipo de material genético herdado apenas da linhagem materna. Como boa parte dos híbridos tem fêmeas de mutum-cavalo entre seus ancestrais, esse tipo de abordagem é capaz de detectar as aves mestiças com esse perfil genético. A segunda técnica foi o estudo de 14 microssatélites, pequenos trechos repetidos de DNA que são empregados na genética de populações para determinar o grau de parentesco entre indivíduos, grupos, espécies ou subespécies. Algumas das variações dos microssatélites são específicas de uma espécie. Se encontrados em outra espécie, indicam a presença de uma ave com algum grau de hibridismo. Juntando as duas metodologias, foi possível identificar um grupo de 66 mutuns-de-alagoas puros, coincidentemente 33 casais, entre os 148 exemplares que se encontravam vivos entre 2008 e 2012 nos dois criadouros mineiros.
046-051_Mutum_251-1O processo de determinação do grau de pureza de uma população pela via molecular não é infalível, mas os autores do trabalho dizem que a confiabilidade da abordagem é altíssima. “O risco de termos errado na identificação de uma ave pura é de 2%”, comenta o biólogo Mercival Roberto Francisco, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), campus de Sorocaba, que coordenou a parte genética dos estudos. “É um valor muito baixo, uma vez que na literatura científica o risco de erro em trabalhos semelhantes é de 5%.” Desde que foi identificado, o grupo de aves puras é mantido em separado. Sua idade é relativamente avançada, entre 16 e 20 anos. Por sorte, o mutum-de-alagoas vive até 30 anos em cativeiro e mantém-se reprodutivo durante boa parte da vida. “Temos agora 18 casais jovens e puros do mutum-de-alagoas, que nasceram nos últimos três anos”, conta Roberto Azeredo, dono do criadouro Crax – Sociedade de Pesquisa da Fauna Silvestre, em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Apaixonado pelos cracídeos, família de galináceos que inclui os mutuns, as jacutingas, os jacus e as aracuãs, Azeredo é hoje quem mais entende dos hábitos da ave alagoana. Cerca de 90% dos exemplares vivos do mutum-de-alagoas, incluindo os híbridos, estão em seu criadouro (o restante está em outro viveiro em Poços de Caldas). A fim de encontrar o par perfeito, ele pode passar horas vendo as reações de aves postas para acasalar. “Azeredo é capaz de perceber que a fêmea não está à vontade com o macho e promover a troca de um dos indivíduos para encontrar o melhor par”, comenta Silveira, do MZ-USP. “Sem ele, não teríamos conseguido criar em cativeiro tantos mutuns.” Nos últimos anos, depois que analisou parte do DNA de todas as aves criadas em cativeiro, o biólogo Mercival passou a mandar periodicamente para Azeredo sugestões de casais ideais do ponto de vista de quem deseja garantir a diversidade genética da espécie. “O problema é que as aves nem sempre concordam com a genética”, graceja o criador.
046-051_Mutum_251-2Esse ex-administrador de empresas diz que o segredo de seu trabalho é promover acasalamentos com sensibilidade. Os mutuns-de-alagoas vivem geralmente aos pares. “Mas, às vezes, eles podem ser agressivos. Nesses casos, só coloco o casal junto no viveiro na hora do cruzamento”, explica Azeredo. A fêmea entra em idade reprodutiva geralmente ao atingir 3 anos. Entre setembro e novembro, se foi fecundada, bota dois ovos. Experiência com cracídeos, o criador tem de sobra. Desde os anos 1970, Azeredo reproduz em seus viveiros exemplares de mutum-do-sudeste (Crax blumenbachii), espécie ameaçada de extinção, mas em estado não tão crítico quanto seu primo alagoano. Ele foi o pioneiro na reintrodução do C. blumenbachii na natureza, com grande sucesso. “Ter um criadouro é uma maneira de empobrecer com alegria”, diz Azeredo, sem perder o bom humor.
Gargalo genéticoNo artigo da PLOS ONE, Mercival e Silveira afirmam que a história do mutum-de-alagoas é um dos casos mais extremos de gargalo genético ou populacional documentado na literatura científica com um final feliz. Apesar de ter se reduzido a apenas três exemplares mantidos em cativeiro em seu momento mais delicado, há pouco mais de 35 anos, a ave escapou da extinção total com o auxílio do homem. “O falcão das Ilhas Maurício, que foi considerado a ave mais rara do mundo, passou por uma situação semelhante em 1974, quando restavam apenas quatro indivíduos”, conta Silveira. Endêmica desse arquipélago do oceano Índico, a espécie Falco punctatus, de apenas 25 cm de comprimento, quase desapareceu por completo em razão da destruição progressiva de seu hábitat. Hoje, depois de esforços conservacionistas que levaram à sua reprodução na natureza e também em cativeiro, a população do falcão está na casa dos 400 espécimes. O caso do sabiá preto das Ilhas Chatham (Petroicatraversi), na Nova Zelândia, foi ainda mais crítico. “Acredita-se que todos os aproximadamente 280 indivíduos atuais sejam descendentes de apenas um casal, que se reproduziu entre 1979 e 1982”, comenta Mercival.
© JOHN MAREMOOTOO / WIKIMEDIA COMMONS
A população atual do falcão das Ilhas Maurício deriva de apenas quatro exemplares
A população atual do falcão das Ilhas Maurício deriva de apenas quatro exemplares
A espécie mais conhecida de ave brasileira provavelmente extinta na natureza e que sobrevive apenas em cativeiro é a ararinha-azul (Cyanopsitta spixii). Originalmente endêmica de uma área de Caatinga do norte da Bahia, a ararinha conta atualmente com uma população de mais de 50 exemplares mantidos no país e no exterior. No entanto, ela ainda não foi devolvida ao seu hábitat. Segundo a lista vermelha feita pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, em inglês), há atualmente 68 espécies de animais e plantas desaparecidas do mundo selvagem, mas conservadas em lugares mantidos pelo homem. “Vale a pena investir nessas espécies”, afirma Mercival. “Quando começamos nosso projeto, fomos questionados se era certo trabalhar com uma espécie cuja população em cativeiro podia não ter mais exemplares puros.”
Mansa e saborosaA primeira referência ao mutum-de-alagoas remonta ao século XVII. “Esta ave se amansa facilmente; gosta de se assentar em um lugar alto como o pavão e sobe também as árvores. Sua carne é muito boa.” Assim termina a primeira descrição da espécie, publicada em 1658 nas páginas de Historia Naturalis Brasiliae. O texto é de autoria do naturalista alemão George Marcgrave, um dos membros da comitiva holandesa de Maurício de Nassau que se instalou no Nordeste na primeira metade do século XVII, e é coautor da obra ao lado de Guilherme Piso. Uma xilogravura acompanha a descrição da ave, oriunda de um cativeiro provavelmente em Recife, e denominada por Marcgrave de mitu, vocábulo do tupi usado pelos índios para se referir ao galináceo.
© JOÃO MARCOS ROSA
O criador Roberto Azeredo é o principal responsável pela reprodução em cativeiro da ave
O criador Roberto Azeredo é o principal responsável pela reprodução em cativeiro da ave
Apesar dessa antiga referência, que deixa evidente o fim culinário dado para o animal pela trupe de Nassau, o mutum-de-alagoas permaneceu envolto em certo mistério desde então. Quase ninguém o viu e frequentemente foi confundido com o mutum-cavalo. “Ela foi uma espécie rara e fantasma dentro da ornitologia”, afirma Silveira. “Nos museus de história natural da Europa os exemplares atribuídos ao mutum-de-alagoas são, na verdade, do mutum-cavalo.” Isso não impediu que autores renomados citassem a ave nordestina em seus trabalhos. Em 1766, mais de um século depois de Historia Naturalis Brasiliae, o sueco Carl Lineu usou as informações de Marcgrave e batizou a ave de Crax mitu, em consonância com sua nova terminologia científica binomial. Estudos posteriores realocaram o mutum-de-alagoas do gênero Crax para o Pauxi.
Até meados do século XX, não havia um único exemplar do verdadeiro mutum-de-alagoas em qualquer coleção científica do mundo. Em 1951, o ornitólogo Olivério Pinto, do MZ-USP, coletou uma fêmea da ave num trecho de Mata Atlântica em Alagoas e mostrou que o P. mitu não era um mito. Pinto descreveu as principais características morfológicas do mutum-de-alagoas. A cor e o formato do bico, a ausência de penas na região auricular e a coloração de parte da cauda são os traços mais importantes e que o distinguem facilmente do parente amazônico (ver quadro). No entanto, a misteriosa espécie somente viria a ser novamente capturada quase três décadas depois pelo criador Pedro Nardelli, o patrono da população de mutum-de-alagoas mantida hoje em cativeiro.
Há oito anos, quando o Ministério do Meio Ambiente lançou um plano nacional para a conservação do P. mitu, com a participação de universidades e criadouros, Mercival e Silveira tinham o desafio científico de mostrar que ainda havia aves puras da espécie mantidas em cativeiro e valia a pena investir em sua preservação. Essa parte do trabalho foi feita. O próximo passo é devolver mutuns-de-alagoas puros ao seu hábitat. Para que isso venha a ocorrer em breve, os pesquisadores contam com a participação do governo de Alagoas e de empresas e entidades locais. Uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) com 900 hectares de mata contígua, um tipo de unidade de conservação em terras privadas, foi criada recentemente em uma usina de açúcar e álcool de Rio Largo, perto de Maceió, para receber os primeiros exemplares da ave. “As empresas no passado estavam ligadas à destruição da floresta, mas hoje sabem que têm um papel importante na preservação da fauna e flora da região”, diz Fernando Pinto, fundador e presidente do Instituto para a Preservação da Mata Atlântica (IPMA), uma entidade local envolvida nos trabalhos em prol da volta do mutum ao seu território original.
046-051_Mutum_251-3Engenheiro civil, Pinto é uma das poucas pessoas que viu a ave na natureza ainda no fim dos anos 1970. Chegou a fotografar uma fêmea chocando ovos em uma árvore. Na época era funcionário de uma destilaria de álcool e lembra-se de ter presenciado o desmatamento de 10 mil hectares de floresta em oito meses. Teve uma fêmea de mutum-de-alagoas em casa antes de doá-la para Nardelli, que ficou cerca de um ano e meio na região procurando exemplares da ave. “A caça ainda faz parte da cultura local”, adverte Pinto. “Esse será o maior risco para o mutum-de-alagoas depois que ele for reintroduzido. Mas acho que conseguiremos manter o controle dentro da reserva.” Um centro de visitantes, com dois exemplares da ave em exposição, deverá ser montado ao lado da RPPN. Assim o P. mitu poderá ser mais facilmente conhecido por todos.
Projetos
1. Estudos da variabilidade genética de cracídeos brasileiros ameaçados de extinção (aves, galliformes), como subsídios para a conservação ex situ (nº 2008/51197-0); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Apoio a Jovens Pesquisadores; Pesquisador responsável Mercival Roberto Francisco (UFSCar); Investimento R$ 327.788,81.
2. Sistemática, taxonomia e biogeografia de aves neotropicais: Os Cracidae como modelo (nº 2007/56378-0); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular;  Pesquisador responsável Luís Fábio Silveira (MZ-USP); Investimento R$ 86.928,28.

segunda-feira, 14 de março de 2016

Quanto custa preservar a mata atlântica

Juntas, ecologia e economia mostram que menos de 0,01% do PIB anual do Brasil pode ser suficiente para preservar funcionalidades essenciais do ecossistema
MARIA GUIMARÃES | Edição Online 15:00 28 de agosto de 2014

 
© THOMAS PÜTTKER
A cuíca (Micoureus paraguayanus) é um marsupial que tira proveito do desmatamento
A cuíca Micoureus paraguayanus é um marsupial que tira proveito do desmatamento
Pagar taxas para que proprietários em zonas rurais preservem uma porção maior de terras do que é obrigatório por lei parece ser uma forma viável de evitar a perda de serviços prestados pela mata atlântica, como impedir a disseminação de pragas e garantir a qualidade das águas. É o que indica um estudo publicado na edição desta semana da revista Science, liderado pela bióloga brasileira Cristina Banks-Leite, professora do Imperial College de Londres, na Inglaterra, e professora visitante na Universidade de São Paulo (USP).
“O pagamento por serviços ambientais está em andamento no Brasil”, conta a pesquisadora. Mas isso costuma acontecer em escala mais local, por iniciativa de organizações não governamentais (ONGs) e de municípios. Sua proposta é ampliar essa iniciativa para a escala nacional, em que o governo faria um programa para selecionar áreas prioritárias e propor pagamentos aos proprietários. Não custaria caro: de acordo com o estudo, o investimento para se atingir 30% de cobertura vegetal em 37 mil áreas prioritárias ao longo de toda a mata atlântica custaria, por ano, cerca de 445 milhões de reais. Isso representa menos de 0,01% do PIB anual brasileiro, ou 6,5% do que é pago em subsídios agrícolas. Segundo os pesquisadores, a área extra alocada à floresta causaria um prejuízo pequeno à produtividade (0,61% do PIB agrícola produzido nesses municípios) e nem afetaria, de fato, os ganhos dos agricultores, já que estariam recebendo pagamento por seu empenho na manutenção do ecossistema, com o benefício de assegurar a preservação desse hotspot de biodiversidade em que muitas espécies estão em risco de extinção.
© THAIS H. CONDEZ
Recém-descrito: o sapinho Brachycephalus guarani mede menos de 2 milímetros
Recém-descrito: o sapinho Brachycephalus guarani mede menos de 2 centímetros
Os números partem de projetos de longo prazo dos biólogos Jean Paul Metzger e Renata Pardini, da USP, que avaliaram os efeitos da fragmentação da mata atlântica paulista na diversidade de anfíbios, aves e mamíferos. O estudo de uma das áreas foi o doutorado de Cristina, concluído em 2009 sob orientação de Metzger. Os resultados indicam que é preciso preservar pelo menos 30% da floresta para que seja mantida a integridade das comunidades de vertebrados essenciais ao funcionamento do ecossistema. O Código Florestal exige que a vegetação nativa seja mantida em 20% de cada propriedade, de maneira que seria necessário ampliar essa área sem utilização agropecuária por meio de pagamentos. Segundo Cristina, uma das perguntas iniciais do projeto era avaliar o mínimo de mata necessária para manter a floresta. “Até agora ninguém tinha conseguido um resultado consistente”, afirma a pesquisadora. Para se aprofundar nas análises ecológicas, ela sentiu falta de mais conhecimento matemático e está cursando uma graduação à distância na área, pela Open University. Com essa visão, ela trouxe o olhar econômico para o artigo publicado na Science.
© THOMAS PÜTTKER
Exclusivo da mata atlântica, o rato-de-espinho Phyllomys nigrispinus se alimenta de folhas
Exclusivo da mata atlântica, o rato-de-espinhoPhyllomys nigrispinus se alimenta de folhas
A partir dos dados sobre a fauna de vertebrados residente no estado de São Paulo, os pesquisadores ampliaram a estimativa para a mata atlântica inteira seguindo princípios ancorados na realidade. “Não podemos delimitar uma porção da avenida Paulista e dizer que ali precisa ser floresta”, brinca Cristina. A piada é séria, afinal, as maiores cidades brasileiras foram erguidas em plena mata atlântica. As 37 mil áreas prioritárias selecionadas pelo grupo são, na verdade, propriedades rurais em que os donos já seguem a lei e mantêm 20% da área preservada. “Já há uma certa quantidade de animais e plantas vivendo ali, de maneira que a recuperação seria mais simples.” De acordo com a conta feita pelo grupo, seria necessário restaurar 424 mil hectares para chegar ao objetivo de 30% de cobertura nessas áreas. A proporção do PIB que estimam ser o custo, menos de 0,01%, vale só para os primeiros três anos, quando parte da floresta precisaria passar por medidas de recuperação ativa. Depois disso, o custo deveria cair para 0,0026% do PIB.
© SANDRO VON MATTER
A saíra-sete-cores (Tangara seledon) é uma das aves mais coloridas do sudeste brasileiro
A saíra-sete-cores (Tangara seledon) é uma das aves mais coloridas do sudeste brasileiro
Essa é uma visão de conservação mais voltada à prática, que se concentra em evitar que se percam serviços ecossistêmicos que de fato melhoram a vida das pessoas que moram no entorno. “Não tem a ver com a perda de espécies: algumas vão ser perdidas, outras, mais generalistas, aparecerão”, diz Cristina. Ela acredita que o trabalho seja um primeiro passo importante no sentido de pôr em prática a sua proposta. “Existe agora um interesse do Ministério do Meio Ambiente, além das secretarias correspondentes em alguns estados e de ONGs, mas faltava ter um valor e dizer quanto e onde preservar.” Segundo ela, o dinheiro existe, o momento é propício e os contatos que o grupo tem no governo indicam que a iniciativa é viável.
Artigo científico
BANKS-LEITE, C. et alUsing ecological thresholds to evaluate the costs and benefits of set-asides in a biodiversity hotspotScience, v. 345, n. 6200, 29 ago 2014.
Projetos
1. Conservação da biodiversidade em paisagens fragmentadas no Planalto Atlântico de São Paulo (nº 1999/05123-4); Modalidade Projeto Temático – Biota; Pesquisador responsável Jean Paul Metzger (USP); Investimento R$ 752.621,55
2. Diversidade de mamíferos em paisagens fragmentadas no planalto atlântico de São Paulo (nº 2005/56555-4); Modalidade Jovem Pesquisador; Pesquisadora responsável Renata Pardini (USP); Investimento R$ 264.307,22

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Escassez de aves pode afetar evolução de plantas

Queda na população de espécies pode ajudar a explicar redução no tamanho de sementes de palmeira da mata atlântica
RODRIGO DE OLIVEIRA ANDRADE | Edição Online 16:47 30 de maio de 2013

 
© LINDOLFO SOUTO/SCIENCE
Tucano-de-bico-preto: aves cumprem funções ecossistêmicas importantes em relação às plantas, seja por polinizar suas flores ou por comer seus frutos e dispersar suas sementes, favorecendo a regeneração natural das florestas
Tucano-de-bico-preto: aves cumprem funções ecossistêmicas importantes em relação às plantas, por polinizar suas flores e dispersar suas sementes, favorecendo a regeneração das florestas
A queda na população de aves frugívoras de grande porte, como tucanos e arapongas, capazes de comer frutos com sementes grandes, pode estar associada à diminuição do tamanho das sementes de certas espécies de plantas da mata atlântica, e, consequentemente, a mudanças em seus padrões evolutivos. Essa relação foi observada por um grupo de pesquisadores de várias instituições brasileiras e internacionais, liderados pelo biólogo brasileiro Mauro Galetti, do Departamento de Ecologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Rio Claro. Com base em análises estatísticas, genéticas e em modelos evolutivos, eles estudaram a ecologia de uma palmeira conhecida como palmito-juçara (Euterpe edulis) – importante fonte de alimento para mais de 50 espécies de aves da mata atlântica, como papagaios, sabiás e tucanos, que se alimentam de seus frutos, além de ter importância econômica. Para isso, coletaram nove mil sementes de 22 populações da palmeira espalhadas ao longo da costa sudeste do Brasil.
Ao combinarem todos esses dados, os pesquisadores verificaram que em locais onde as aves de maior porte haviam sido extintas há mais de 50 anos, tanto pela caça predatória quanto pelo desmatamento, as populações das palmeiras produziam apenas frutos pequenos, enquanto em áreas de floresta mais conservada, e com quantidade de aves suficiente para desempenhar sua função ecológica de dispersão de sementes, as palmeiras produziam frutos de tamanhos mais variados, com sementes pequenas e grandes. Os detalhes do estudo serão publicados na edição desta sexta-feira (31) darevista Science.
Há algum tempo se sabe que as aves cumprem funções ecossistêmicas importantes em relação às plantas, seja por polinizar suas flores ou por comer seus frutos e dispersar suas sementes, favorecendo a regeneração natural das florestas. Contudo, aves de bicos menores, como os sabiás, não conseguem engolir e dispersar as sementes grandes, que geralmente caem embaixo da palmeira. Isso acaba dificultando o surgimento de novas plantas da espécie. Na ausência das aves grandes, as novas plantas acabam sendo geradas a partir de sementes pequenas e, como consequência, também produzem sementes pequenas. Com o tempo, a tendência é que somente as sementes menores sejam encontradas na natureza, em um efeito cascata induzido pela ação humana que pode desencadear mudanças ecológicas significativas.
De acordo com Galetti, a redução do tamanho das sementes dessas populações pode trazer consequências negativas, inclusive para as próprias plantas, já que sementes pequenas apresentam maiores índices de mortalidade devido ao dessecamento. “Como os modelos climáticos sugerem períodos de seca mais severa no futuro, em decorrência das mudanças do clima, uma proporção maior de sementes pequenas pode não germinar”, explica. Isso também pode resultar em um menor potencial de resposta evolutiva às mudanças climáticas.  “Acreditava-se que os efeitos da seleção natural demonstrada por Charles Darwin há mais de 100 anos poderiam levar gerações para se manifestar”, diz Galetti, “mas nossos dados mostram que o impacto humano sobre a população das aves ajuda a selecionar rapidamente as plantas com sementes pequenas”, disse.
A mata atlântica é um dos principais e mais degradados ecossistemas brasileiros, do qual restam, segundo algumas estimativas, aproximadamente 12% de sua cobertura original – mais de 80% da vegetação remanescente encontra-se altamente fragmentada em áreas com menos de 50 hectares. “Essas áreas são pequenas demais para manterem populações de grandes aves frugívoras”, afirma Galetti. A fragmentação mais intensiva da mata Atlântica teve início em 1800, com o desenvolvimento dos cultivos de café, cana-de-açúcar e a exploração madeireira.
“Infelizmente, os efeitos que documentamos em nosso trabalho não refletem uma situação isolada”, afirmou. “A rápida diminuição das populações de grandes vertebrados parece estar causando mudanças sem precedentes na trajetória evolutiva e na composição de muitas áreas tropicais”, concluiu.
No entanto, o biólogo afirma que ainda há tempo para reverter esse quadro. Segundo ele, é preciso aumentar a conectividade entre os fragmentos de floresta, o que estimularia o fluxo gênico, a fiscalização em relação à caça dessas espécies de aves e o contrabando ilegal do palmito. “Isso só pode ser feito se as autoridades aumentarem a fiscalização das unidades de conservação em parques estaduais”, disse. “O que estamos vendo, porém, é o contrário. A aprovação da última versão do Código Florestal estimulará o desmatamento. Além disso, a fiscalização em áreas que deveriam estar protegidas é inócua”, completou.
Assim, a degradação de hábitats, junto da extinção de espécies, pode causar drásticas mudanças na composição e estrutura de ecossistemas importantes, já que interações ecológicas críticas estão sendo perdidas. “Isso significa funções ecossistêmicas que podem determinar mudanças evolutivas podem estar sendo perdidas muito mais rápido do que imaginamos”. Daí a importância de se identificar quais funções estão sendo afetadas, de modo a evitar o colapso desse ecossistema.
ProjetoEfeitos de um gradiente de defaunação na herbivoria, predação e dispersão de sementes: uma perspectiva na Mata Atlântica (nº 2007/03392-6); Modalidade:Auxílio Pesquisa; Coordenador: Mauro Galetti Rodrigues/Unesp; Investimento:R$692.437,03 (Biota-FAPESP)
Artigo científico
GALETTI, Mauro. et al. Functional Extinction of Birds Drives Rapid Evolutionary Changes in Seed Size. Science. v. 340, p. 1086-1090. 2013.

A longa viagem da cigana

Origens de ave amazônica que só come folhas e “rumina” estão na África
MARCOS PIVETTA | ED. 189 | NOVEMBRO 2011

 
© GEOFF GALLICE / WIKICOMMONS
Opisthocomus hoazin, a ave cigana: antepassados teriam migrado da África para a América do Sul a bordo de pequenas balsas feitas de plantas que cruzaram o Atlântico ao sabor dos ventos e correntes marítimas
Ela voa de forma desengonçada em meio à vegetação ribeirinha da floresta amazônica, seu único hábitat contemporâneo. Ali come apenas folhas e nada mais. Tem um grande papo e o sistema digestivo lembra o de um mamífero ruminante. As fezes têm cheiro de esterco de vaca. Os taxonomistas ainda não chegaram a um acordo sobre como classificá-la. Para alguns, seria parente distante da galinha, embora a aparência e o porte tenham um quê de cuco, com o qual, segundo outros, teria um parentesco. Existe ainda quem a coloque ao lado do turaco, uma ave africana. Há mais de 230 anos, quando foi descoberta, a ave cigana (Opisthocomus hoazin), típica das bacias dos rios Amazonas e Orinoco, intriga os pesquisadores, que hoje tendem a considerá-la como único membro vivo de uma ordem de aves separada das demais, a das Opisthocomiformes. Mas a descoberta, no Brasil, da mais antiga espécie extinta de aves aparentadas da cigana — um fóssil de mais de 20 milhões de anos denominadoHoazinavis lacustris — e a confirmação de que houve, na África, ao menos uma forma de vida similar à atual ave amazônica no passado remoto forneceram pistas importantes sobre a provável origem do misterioso animal. Até agora não havia registro algum de aves dessa ordem fora da América do Sul.
Os dois achados foram divulgados num estudo publicado neste mês na revista científica alemã Naturwissenschaften por paleontólogos e ornitólogos do Brasil, Alemanha e França. De acordo com os pesquisadores, a análise de todo o material fóssil sugere que as origens da ave sul-americana estão na África, embora a espécie mais antiga relacionada com a cigana tenha sido encontrada no estado de São Paulo. “Apesar de mais novos, os fósseis africanos apresentam características anatômicas mais primitivas do que as presentes no nosso material”, explica o paleontólogo Herculano Alvarenga, fundador e diretor do Museu de História Natural de Taubaté, no interior paulista, um dos autores do estudo (veja vídeo). Se essa linha de raciocínio estiver correta, é razoável supor que deve haver fósseis mais velhos do que o da H. lacustris em alguma parte daquele continente. O problema é que eles ainda não foram encontrados e nada garante que um dia o sejam.
Mais surpreendente do que as possíveis raízes africanas da cigana amazônica é a forma como os antepassados dessa ave teriam feito, há algumas dezenas de milhões de anos, a longa migração entre a África e a América do Sul. Nessa época não havia mais conexão terrestre entre os dois continentes. África e América do Sul já tinham se separado havia muito tempo e o Atlântico, embora mais estreito que hoje, era a barreira a ser vencida numa travessia intercontinental. Bater asas ao longo de uma jornada de milhares de quilômetros e atravessar o oceano pelo ar era uma tarefa impossível para os antepassados da ave sul-americana, que pareciam apresentar capacidades tão limitadas de voo quanto as da cigana. Por exclusão, o único jeito era vir por mar. “Essas aves antigas devem ter cruzado o Atlântico a bordo de balsas formadas por restos de plantas, que funcionaram como pequenas ilhas flutuantes a ligar os dois continentes”, afirma Alvarenga, especialista em aves fósseis.
Ao sabor dos ventos e correntesA hipótese pode parecer fantasiosa para um leigo no assunto, mas há evidências científicas capazes de sustentá-la. “Todas as reconstituições de como eram os ventos e as correntes marítimas naquela época favorecem a dispersão de espécies da África para a América do Sul, e não no sentido contrário”, diz o ornitólogo Gerald Mayr, do Museu Senckenberg, em Frankfurt, outro autor do artigo. Em aves com limitada capacidade de voo esse tipo de travessia intercontinental, a bordo de algum tipo de jangada vegetal que teria navegado o Atlântico ao sabor dos ventos e das correntes, nunca foi documentado. Mas outros animais possivelmente vieram para cá dessa forma. “Essa é a ideia mais aceita sobre como se deu a migração dos roedores caviomorfos e dos primatas platirrinos da África para a América do Sul”, comenta a paleontóloga Cécile Mourer-Chauviré, da Universidade Claude Bernard – Lyon 1, outro pesquisador que assina o trabalho científico. Os roedores caviomorfos incluem animais típicos da América do Sul, como a capivara e a paca, e os primatas platirrinos abrangem os chamados macacos do Novo Mundo, encontrados apenas nas Américas.
© HERCULANO ALVARENGA / CÉCILE MOURER-CHAUVIRÉ
Filhote de cigana: ave voa de forma desengonçada e tem papo de “ruminante”
A formulação da nova teoria que tenta explicar as origens da ave sul-americana só foi possível graças à descoberta em solo brasileiro da nova espécie extinta e ao trabalho de revisão do pouco material fóssil relacionado às Opisthocomiformes  depositado nos museus internacionais. Essa dupla abordagem permitiu aos pesquisadores fazer algo que até agora não tinha sido possível: traçar um cenário de relações evolutivas entre seres do passado e a única forma viva dessa ordem de aves, a cigana.
Mais velha das espécies extintas das Opisthocomiformes, a H. lacustris habitou entre 22 e 24 milhões de anos a Formação Tremembé, na região de Taubaté, rica em fósseis de animais. Três partes do esqueleto de um único exemplar da ave — um úmero completo (principal osso da asa), um pedaço da escápula e outro do coracoide (osso da cintura) — foram encontrados por Alvarenga em sedimentos de um antigo lago (daí o nome lacustris) em 2008. “A morfologia desses três ossos associados não deixa dúvidas de que se tratava de uma ave relacionada com a cigana”, diz o paleontólogo paulista. O estudo dos fragmentos do esqueleto também revelou que a antiga ave deveria ter um grande papo, no qual possivelmente bactérias se encarregavam de degradar parte de sua dieta antes de o alimento chegar ao estômago. Tudo muito similar à atual cigana. A descrição do fóssil foi feita pelo brasileiro e seus colegas europeus no paper daNaturwissenschaften.
Osso da sorteAntes da H. lacustris, os restos de apenas um único exemplar de outra espécie de ave extinta aparentemente relacionada com a cigana haviam sido descobertos no final dos anos 1990 na América do Sul. Trata-se de um fragmento de um crânio da Hoazinoides magdalenae, animal que teria vivido na Formação Villavieja a oeste dos Andes, um território hoje situado na Colômbia, entre 11,8 e 13,5 milhões de anos atrás. Embora haja escasso material ósseo para fazer uma comparação detalhada, a H. magdalenaeparece ser muito similar à atual cigana. Seu porte apenas era um pouco maior do que o de sua parente amazônica contemporânea. É interessante notar que as duas espécies extintas de Opisthocomiformes encontradas na América do Sul ocuparam partes do continente que se situam fora da Amazônia, hoje o hábitat da cigana — um indício de que as formas mais antigas dessa ave podiam se distribuir por uma área geográfica bem maior.
A reclassificação de uma espécie extinta de ave africana, a Namibiavis senutae, dentro da ordem filogenética da cigana expandiu ainda mais os antigos domínios desse grupo de seres alados, papo grande e dieta vegetariana. Descritos pela primeira vez no início dos anos 2000, os fósseis da espécie foram encontrados na Namíbia e, originalmente, situados como membros de um grupo extinto de aves daquele continente, as Idiornithidae. No entanto, as análises feitas por Alvarenga e seus colegas europeus mudaram essa classificação e colocam a N. senutae, que viveu há uns 17 milhões de anos, dentro das Opisthocomiformes. “Os fósseis africanos são mais diferentes da moderna cigana do que o da H. lacustris encontrado no Brasil”, afirma Mayr. “Mas eles ainda se parecem muito com a ave atual.” Entre as distinções anatômicas mais primitivas da extinta espécie africana, a francesa Cécile destaca o fato de que os ossos coracoide e  fúrcula — este último constituído pelas duas clavículas ligadas ao esterno, uma estrutura do esqueleto das aves vulgarmente conhecida como “osso da sorte” —  ainda não se encontram fundidos, como se fossem uma única estrutura. Nos exemplares adultos da moderna cigana a fusão desses e de outros ossos já se completou. Foram justamente esses traços mais ancestrais dos fósseis da N. senutae que ampararam a formulação da hipótese da origem africana das aves Opisthocomiformes.
Para o biólogo Luís Fábio Silveira, curador das coleções ornitológicas do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP), a nova teoria que situa o berço dos ancestrais da cigana fora da América do Sul deve ser levada a sério e testada à medida que novos fósseis forem descobertos. “O estudo é muito interessante e benfeito”, afirma Silveira, que não participou do trabalho. “A origem da cigana e, consequentemente, suas relações de parentesco estão entre os maiores problemas da sistemática (classificação) das aves. Ninguém sabe se essa ave é mais próxima das galinhas, dos cucos ou dos turacos.” Essa questão não foi resolvida pelo novo estudo. No entanto, se a origem dessa ordem de aves for mesmo a África, o trabalho dos paleontólogos e ornitólogos talvez tenha de voltar seu foco prioritariamente para aquele continente, e não tanto para a América do Sul, onde a cigana vive nos dias de hoje.
Artigo científicoMAYR, G.; Alvarenga, H.; Mourer-Chauviré, C.  Out of Africa: Fossils shed light on the origin of the hoatzin, an iconic Neotropic birdNaturwissenschaften. v. 98, n. 11, p. 961-66. nov. 2011

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Ornitólogos documentam a extinção de três aves endêmicas do Nordeste

Uma coruja e duas espécies da ordem dos Passeriformes não são mais encontradas no trecho de mata atlântica que vai de Alagoas ao Rio Grande do Norte
MARCOS PIVETTA | Edição Online 23:21 8 de agosto de 2014

 
© CIRO ALBANO
Limpa-folha-do-nordeste (Philydor novaesi): descoberto em 1979 e agora provavelmente extinto
Limpa-folha-do-nordeste (Philydor novaesi): descoberto em 1979 e agora provavelmente extinto
Procuram-se exemplares de caburé-de-pernambuco, gritador-do-nordeste e de limpa-folha-do-nordeste. Encontradas apenas no chamado Centro Pernambuco de Endemismo (CPE), nome dado a uma estreita faixa de mata atlântica ao norte do rio São Francisco que corta os estados de Alagoas, Pernambuco, Paraíba e o Rio Grande do Norte, essas aves raras sumiram das câmeras e gravadores dos ornitólogos faz um bom tempo. Não há notícias recentes delas.  Há 12 anos, ninguém avista ou grava o canto de um caburé-de-pernambuco (Glaucidium mooreorum), uma corujinha que mede 14 centímetros e exibe pintinhas no alto da cabeça e na nuca. Faz sete anos que houve o último registro conhecido de um gritador-do-nordeste (Cichlocolaptes mazarbarnetti) e três do limpa-folha-do-nordeste (Philydor novaesi), duas espécies muito parecidas da ordem dos Passeriformes, os populares passarinhos, com cerca de 20 centímetros de comprimento.
Diante dessa situação, um grupo de dez pesquisadores radicados no Brasil acaba de publicar um artigo na revista científica Papéis Avulsos de Zoologia em que defendem a ideia de que as três se extinguiram. Embora a rigor se deva esperar 50 anos após o último registro de uma ave para considerá-la oficialmente extinta, os especialistas acreditam que não há outra explicação para o sumiço das três espécies.  “Com os dados que temos, não há infelizmente outra conclusão possível” diz Luís Fábio Silveira, curador da seção de ornitologia do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZ-USP), um dos autores do trabalho. “Essas são as primeiras aves endêmicas brasileiras cuja extinção é registrada em tempos modernos, desde que a pesquisa nessa área se estabeleceu no país.”  Por tempos modernos, entende-se depois do século passado.  Antes dessas três aves do CPE, havia o registro da extinção de outras duas espécies nesse período, mas que não eram endêmicas do Brasil:  o maçarico-esquimó (Numenius borealis), ave migratória originária da América do Norte que passava pelo Brasil até os anos 1940, e a arara-azul-pequena (Anodorhynchus glaucus), que era encontrada na Argentina, Uruguai, Paraguai e Sul do Brasil até o final do século XIX.
No artigo, os pesquisadores analisaram o status de conservação de 16 espécies de aves do CPE, considerada a região nacional com maior número relativo de aves em perigo de extinção e uma das áreas com a maior concentração de espécies ameaçadas em todo o mundo. Quinze dessas espécies eram consideradas ameaçadas de extinção pela lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês). O trabalho levou em conta os dados obtidos nos últimos 11 anos em coletas pontuais ou sistemáticas nos remanescentes de floresta na região.
O desmatamento histórico e progressivo da mata atlântica nesse trecho do Nordeste, em especial devido à presença secular do cultivo da cana-de-açúcar, é apontado com uma das principais causas do desaparecimento da corujinha e dos dois passarinhos. Hoje restam apenas 2% da área original de floresta, o hábitat por excelência dessas aves, em geral fragmentos de mata de pequeno porte. Metade dos fragmentos tem menos de 10 hectares e poucos tem mais de mil hectares. Dois desses oásis de verde são a Mata do Quengo, um trecho de 500 hectares de mata dentro de uma reserva privada no sul de Pernambuco, e a Estação Ecológica de Murici, no noroeste de Alagoas, com 6.116 hectares. Até uns poucos anos atrás, todas as espécies ameaçadas de extinção do CPE ainda eram achadas dentro desses dois grandes trechos de mata. Agora, como atesta o trabalho dos pesquisadores, ao menos três delas desapareceram inclusive desses locais.
Para piorar o problema, as florestas remanescentes nem sempre apresentam as mesmas características das matas originais. “Muitas vezes são hábitats degradados pelo uso do fogo e extração de madeira”, afirma o biólogo inglês Alexander C. Lees, do Museu Paraense Emílio Goeldi, que estuda o impacto das mudanças no uso da terra sobre as aves, outro autor do trabalho.  “É muito difícil encontrar uma mata madura, original, aqui nesta região”, diz o ornitólogo Glauco Alves Pereira, aluno de doutorado da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), que é o primeiro pesquisador a assinar o artigo na Papéis Avulsos de Zoologia. “É praticamente tudo vegetação secundária.” Há ainda a questão do desequilíbrio ecológico na cadeia alimentar que rege as relações entre as espécies animais da região. Com a diminuição no número de grandes predadores, os pequenos predadores passaram a ter um cenário mais tranquilo e, assim, passaram a atacar com maior constância os ninhos das aves, segundo Lees.
Um aspecto das extinções entristece ainda mais os pesquisadores:  aves que desapareceram tinham sido descobertas há pouco tempo. O limpa-folha-do-nordeste foi identificado em 1979 e o caburé-de-pernambuco, em 1980. O caso do gritador-do-nordeste é ainda mais dramático. Apenas neste ano, um estudo determinou que ele era uma espécie diferente do limpa-folha-do-nordeste. “Não tivemos nem tempo de estudar direito essas aves” afirma Silveira. A única saída para evitar mais extinções de aves é proteger os remanescentes de mata atlântica e, talvez, tentar reproduzir em cativeiro algumas das espécies em estado mais críticos para que elas possam retornar à natureza quando os seus hábitats estiverem restaurados, dizem os pesquisadores. Caso contrário, as outras 13 espécies ameaçadas de extinção do Centro Pernambuco de Endemismo, como o mutum-do-nordeste (Pauxi mitu) e choquinha-de-alagoas (Myrmotherula snowi), podem engrossar a lista negra dos desaparecidos, que agora inclui a corujinha e dois passarinhos.
Artigo científico:
PEREIRA, G. A. et alStatus of the globally threatened forest birds of northeast BrazilPapéis Avulsos de Zoologia. v. 54, n. 14, p. 177-194. 2014.

Extinção de animais pode agravar efeito das mudanças climáticas

Ausência de espécies frugívoras de grande porte pode interferir no processo de sequestro de CO2 da atmosfera
RODRIGO DE OLIVEIRA ANDRADE | Edição Online 17:00 18 de dezembro de 2015

© GUILHERME JOFILI / FLICKR
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Animais frugívoros como as cutias cumprem funções importantes em relação às plantas, por comer os frutos e dispersar as sementes, favorecendo a regeneração natural das florestas
A extinção de animais frugívoros, que se alimentam sobretudo de frutos, como antas, cutias e muriquis poderá comprometer a capacidade das florestas tropicais de absorver dióxido de carbono (CO2) da atmosfera. Isso porque a extinção desses animais capazes de dispersar sementes de frutos grandes mudaria a composição das florestas, afetando seu potencial para combater alterações climáticas. A relação foi observada por um grupo de pesquisadores de várias instituições brasileiras e internacionais sob coordenação do biólogo brasileiro Mauro Galetti e sua orientanda de doutorado, Carolina Bello, ambos do Departamento de Ecologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Rio Claro, interior de São Paulo. Em um artigo publicado nesta sexta-feira, 18, na revista Science Advances, eles relacionam a composição e a abundância de espécies de árvores, bem como o tipo de dispersão de suas sementes, à padrões de dureza da madeira e altura. Essa é uma maneira de medir o quanto uma árvore pode estocar carbono.
Os pesquisadores estimaram a perda da capacidade de estoque de CO2 na Mata Atlântica a partir de diferentes cenários de defaunação, como é conhecida a diminuição acentuada da população de animais em um ecossistema, em geral induzida por atividades humanas como desmatamento e caça ilegal. Ao simular a extinção local de árvores que dependem da dispersão de suas sementes por grandes frugívoros na Mata Atlântica, os pesquisadores verificaram que a defaunação comprometeria significativamente a capacidade de armazenamento de CO2 pela floresta. Esses animais, há algum tempo se sabe, cumprem funções importantes em relação às plantas, seja por polinizar as flores ou por comer os frutos e dispersar as sementes, favorecendo a regeneração natural das florestas.
© MIGUEL RANGEL JR/FLICKR
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A extinção de animais que se alimentam sobretudo de frutos, como os muriquis, poderá comprometer a capacidade das florestas tropicais de absorver CO2 da atmosfera
No estudo, a equipe de Galetti observou que árvores com troncos grandes e duros têm sementes igualmente grandes. Logo, quanto maior a semente, tanto maior será a árvore. Árvores grandes, por sua vez, são capazes de sequestrar e armazenar maiores quantidades de carbono. Por meio de simulações computacionais, os pesquisadores verificaram que à medida que dispersores de sementes grandes eram progressivamente extintos, também as árvores grandes tornavam-se menos abundantes. Em outras palavras, na ausência de antas, bugios e muriquis, a floresta mudava para uma composição de espécies de árvores de sementes pequenas e madeira “mole”. Com o tempo, segundo eles, a tendência é que somente as sementes menores sejam encontradas na natureza, em um efeito cascata induzido pela ação humana que pode desencadear mudanças ecológicas significativas. “As sementes de canelas, jatobás e maçarandubas, por exemplo, são grandes e dispersadas apenas por animais grandes, como antas e muriquis”, diz Galetti. “Essas árvores são as de madeira mais nobre e as que estocam mais carbono”, explica.
A Mata Atlântica é um dos mais degradados ecossistemas brasileiros, do qual restam, segundo algumas estimativas, aproximadamente 12% da cobertura original – mais de 80% da vegetação remanescente encontra-se altamente fragmentada em áreas com menos de 50 hectares. De acordo com os pesquisadores, o mesmo raciocínio que eles aplicaram à Mata Atlântica pode ser extrapolado para outros ambientes, como o amazônico, cujas espécies de árvores que retêm até 50% de CO2 da atmosfera dependem em grande medida da dispersão das sementes por frugívoros de grande porte. Segundo eles, os resultados ressaltam a importância de se considerar os animais como parte fundamental no processo de redução de emissões de gases do efeito estufa por meio do armazenamento de carbono em florestas tropicais.
ProjetoLigando defaunação e os serviços de ecossistemas de armazenamento de carbono em florestas atlânticas (nº 2013/22492-2); Modalidade Bolsa no país — doutorado;Pesquisador responsável Mauro Galetti Rodrigues (Unesp); Bolsista Laura Carolina Bello Lozano (Unesp); Investimento R$ 140.088,00 (FAPESP)
Artigo científicoBELLO, C. et alDefaunation affects carbon storage in tropical forestsScienceAdvances. dez. 2015.